quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O risco da inferência

Neste post eu gostaria de começar pelo básico, definindo o que é inferência, segundo o dicionário: "operação intelectual por meio da qual se afirma a verdade de uma proposição em decorrência de sua ligação com outras já reconhecidas como verdadeiras cf. dedução, indução e raciocínio" (http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=inferencia). Em outras palavras, utilizando a inferência criamos verdades que nos auxiliam no entendimento de nossas vidas e do nosso mundo. Não há nada de errado nisto, pelo menos a princípio, porém há algo de muito arriscado, pois podemos assumir verdades que podem ser, digamos, nem tão verdade assim.

Observemos um ponto essencial da definição: uma inferência deve ter como fundamento proposições já reconhecidas como verdade. Ou seja, algo sabidamente verdade deve fundamentar uma inferência.

Desta forma, algo realmente problemático pode acontecer quando, tendo por base uma inferência, fazemos outra inferência, ou, pior ainda, quando a inferência original pouco possui de sustentação.

Gostaria de comentar dois exemplo. O primeiro diz respeito à crença de muitas pessoas de que se algo está escrito em um livro, este algo é necessariamente verdade. Muitas vezes já ouvi este argumento, sendo que uma variação dele diz que se determinado autor escreveu tal coisa, então é verdade. O segundo exemplo diz respeito à crença de que porque a ciência diz que algo, então este algo necessariamente é verdade.

Em ambos os casos, para mim, existe um erro muitas vezes ocultado pelas abstrações impregnadas em nossa língua e nos nossos processos de produção e difusão de conhecimento. A ciência ou o papel, por exemplo, não diz nada, pois não existem como seres de linguagem; quem diz são os homens e as mulheres que fazem pesquisa, que publicam e que escrevem.

Assim, acreditar que a ciência (ou o papel) é a verdade, implica, obrigatoriamente, em acreditar que determinada pessoa (ou grupo de pessoas) professam a verdade. Isto nos leva a uma pergunta realmente complexa: isto é possível? e mais: o que é verdade?

Seria a verdade dependente de um momento histórico, de condições culturais, de convicções ideológicas e políticas? Caso a resposta para alguma destas perguntas seja sim, então a verdade passa a ser relativa. Não há a verdade, mas sim verdades.

Como ficam as inferências então? Em minha opinião, quando realizadas elas precisam ser criteriosas e serem postas como pendente de confirmação, principalmente quando envolve o relacionamento com o outro.

Nas três áreas que tenho certo envolvimento, a inferência não verificada pode trazer consequências graves. Em Tecnologia da Informação isto pode ser claramente percebido na famigerada frase dita pelo cliente: "isto estava subentendido". Em Psicologia Clínica algumas inferências não verificadas podem nos levam a acreditar que o outro pensa e tem os mesmos valores que nós mesmos. Em Educação podemos assumir que a dificuldade de leitura é causado por questões comportamentais (e não por uma dificuldade fisiológica - oftálmica, por exemplo).

Para mim, o relacionamento com o outro (seja profissional ou não) não pode ser baseado num conjunto de inferências não confirmadas, caso contrário terminamos criando uma fantasia do outro. Creio que a melhor forma de saber algo é perguntado, não porque a verdade é sempre dita, mas porque a pergunta direta nos dá elementos para uma análise melhor de quanto podemos acreditar nas nossas inferências.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Como nomear um sentimento?


Recentemente fui questionado se não estava apaixonado por um certo alguém. A resposta foi “não, não estou”, porém infelizmente (?) eu gosto de questionar a mim mesmo. Será que realmente minha resposta estava correta?

Para me responder, eu precisava primeiro compreender o que é paixão. Tenho 31 anos e ainda me sinto incapaz de combinar com perfeição um conjunto de minhas próprias sensações com este nome.

Sim, vários poetas já falaram sobre a paixão (um exemplo? Renato Russo na música “Longe do Meu Lado”). O dicionário também se arrisca dizendo, dentre outras coisa, que paixão é “sentimento, gosto ou amor intensos a ponto de ofuscar a razão; grande entusiasmo por alguma coisa; atividade, hábito ou vício dominador” (http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=paix%25C3%25A3o).

Porém, em tempos de Internet, me aventurei no Google, aí de forma mais objetiva, quase médica. Minha busca? “paixão sintomas”. Encontrei explicações biológicas atribuindo como sinais típicos desse sentimento a palpitação, o frio na barriga, o suor, o brilho nos olhos, a leveza e perda de fome e sono (http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2011/06/sintomas-classicos-da-paixao-tem-explicacao-hormonal-diz-medico.html).

Noutro site, a sistematização foi realizada de forma diferente. Foram listados sete sintomas que posso simplificar da seguinte maneira: 1) tendência a inclinar o corpo na direção do outro; 2) aumento na produção de alguns hormônios como adrenalina, cortisol e endorfina; 3) passagem abrupta da euforia do encontro à angústia da separação; 4) encantamento por tudo relacionado ao outro; 5) pensamento recorrente no outro, 6) dependência emocional; 7) desejo sexual e possessividade. (http://www.bbel.com.br/comportamento/post/os-sete-sinais-da-paixao/page1.aspx)

Após esta pesquisa a que conclusão cheguei? Bom, apenas consegui reafirmar que meus professores de psicologia estavam certos: nomear um sentimento é algo extremamente complexo.

Não satisfeito, fui para as frivolidade, assim na minha próxima pesquisa no Google digitei “teste você esta apaixonado”. Primeira conclusão: todos os testes da primeira página de resultados são para mulheres, ou seja, a maioria dos sites acha que homem não se apaixona ou não se submeteria a fazer tal teste. Quando abro os três primeiros resultados logo compreendo o problema: revistas para adolescente.

Entre uma aba do navegador e outra percebi que da minha primeira busca escapou uma página provavelmente relevante: “Paixão masculina e seus sintomas” (http://www.luizmotivador.com/materia/comportamento/2942/Paixão+masculina+e+seus+sintomas!). Nela encontro uma lista de 10 sintomas, então resolvi fazer meu próprio teste para ver no que dava, o resultado segue abaixo.

  1. Pensamento constante. OK, confere.
  2. Existência de cheiro ou música que lembre dela. Não, não há, mas também não sou um cara de muitas músicas nem ela de muito perfume.
  3. Para você, a presença dela se destacada no ambiente. OK, confere.
  4. Nervosismo quando chega perto. Não, não há.
  5. Negar o sentimento. OK, afinal foi isto que gerou toda esta reflexão.
  6. Maravilhosa sensação quando há grande intimidade (não necessariamente física) entre ambos. OK, confere.
  7. Tudo nela é perfeito. Hum... mais ou menos, talvez uns 90%.
  8. Ciúmes dela com outro. Não tenho como responder, pois nunca presenciei.
  9. Com outra garota não é mesma coisa. Isto é obviamente verdade, pois as pessoas são diferentes.
  10. Vida futura planejada apenas com ela. OK, já imaginei uma vida com ela sim, mas há outras possibilidades.

Resultado: terminei esta pesquisa confuso, mas com a sensação de que meu “não, não estou” talvez tenha sido prematuro. Sinto algo, sim, mas como nomeá-lo? Pode ser apenas carinho e amizade...

Termino esta postagem complementando a pergunta do título: como nomear um sentimento? é realmente necessário nomeá-lo? não basta senti-lo?